quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Substância imita benefício de exercícios

Substância imita benefício de exercícios (Folha de São Paulo, 12/01/2012)

RAFAEL GARCIA
DE WASHINGTON

Um novo estudo abre perspectiva de que os exercícios físicos possam ser trocados por uma pílula.

Em experimentos com camundongos, cientistas do Instituto do Câncer Dana-Farber, em Boston, descobriram que um tipo de um hormônio, produzido após a atividade física, era capaz de transformar o tecido adiposo. Em sua presença, células de gordura branca -responsável por armazenar energia- se convertem na chamada gordura marrom -que queima calorias para aquecer o corpo.

A nova molécula, batizada de irisina, também existe em humanos. Num teste, os cientistas injetaram pequenas doses da substância em roedores sedentários, obesos e com sintomas de pré-diabetes.

Após dez dias, os animais tiveram os níveis de glicose e insulina normalizados no sangue e até perderam peso. O experimento foi descrito na revista "Nature".

"Com a irisina, nós conseguimos traduzir uma pequena parte do efeito dos exercícios têm sobre o organismo", disse à Folha Pontus Boström, autor do trabalho. Ele alerta que a irisina não vai deixar ninguém mais forte. "Existe uma vasta gama de efeitos que jamais poderemos substituir por uma única intervenção metabólica."

FUTURO

Mesmo exibindo cautela em relação ao potencial terapêutico do novo hormônio, os pesquisadores se mostram otimistas com a perspectiva de usá-lo em humanos em um futuro próximo.

A molécula da irisina dos camundongos é quase idêntica à versão humana, o que significa que os mesmos benefícios observados nos roedores podem se mostrar em pessoas. "Esperamos ver efeitos colaterais muito pequenos", diz Boström.

Ele e seus colegas do Dana-Farber, um centro de pesquisa associado à Universidade Harvard, estão agora tentando criar uma maneira de administrar a irisina a humanos. No estudo com roedores, foi usado um vírus para distribuir o hormônio no organismo, algo difícil de fazer com segurança.

Para criar uma droga que possa ser usada em humanos, Boström e seus colegas estão tentando "colar" a irisina em moléculas de anticorpos, as proteínas de defesa do sistema imunológico, para só depois injetá-las no sangue.

"Temos de fazer isso para que a droga não entre em degradação na corrente sanguínea", diz o cientista.

Ainda não há perspectiva sobre quando os testes em humanos podem começar.

NÃO É PREGUIÇA

Para pesquisadores, mesmo que não seja adequado substituir exercícios por uma droga que tente emular seus efeitos, é possível encontrar uma brecha para aplicação.

"Há muitos pacientes por aí que precisam de exercício mas, por diferentes razões, não podem fazer", diz Boström. "Um medicamento pode vir a ser uma opção para pessoas extremamente obesas, que têm dificuldade em se movimentar para fazer exercícios, ou para pessoas com alguns tipos de deficiência física."

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Do tango ao tangolomango

Do tango ao tangolomango (Ferreira Gullar, Folha de São Paulo, 01/01/2012)

A América Latina vive hoje, por determinadas razões, a experiência do neopopulismo

Os anos que vivi em países latino-americanos levaram-me a perceber que entre eles e o Brasil há importantes diferenças.

Isso não significa que eles, por sua vez, sejam todos iguais; não obstante, há, entre eles, traços que os distinguem de nós.

Não é que sejamos melhores ou piores que eles, mas há diferença. Já me referi a isso aqui, faz algum tempo, mas agora essa observação me volta à lembrança, ao saber das medidas francamente antidemocráticas tomadas por Cristina Kirchner, recentemente reeleita presidente da Argentina. E foi na Argentina que passei a maior parte de meu exílio.

Mais precisamente em Buenos Aires, cidade que adoro e que, apesar dos pesares, muito ajudou a enfrentar a barra pesada daqueles anos.

Cheguei ali no mesmo dia em que morrera o presidente Perón e, por isso, tive que aturar, durante três dias, a exposição do velório dele, ininterruptamente exibido na televisão.

Ali estava, enfim, morto, o homem que governara a Argentina por duas vezes e que, em seu primeiro governo, transformara sua mulher, Evita, numa mitificada mãe dos pobres e que, morta, teve seu cadáver posto em exposição na sede da CGT até ser ele apeado do poder pelos militares.

Levou consigo o cadáver dela para a Espanha e o instalou na casa onde passou a viver com a nova mulher, Isabelita. Esta penteava os cabelos da morta todos os dias, conforme a vontade do marido.

De volta à Argentina, fez de Isabelita sua vice, de modo que, morto ele, assumiu ela o governo do país, embora nada entendesse daquilo, cantora de cabaré que havia sido. Não faz muito tempo, seu herdeiro político, Néstor Kirchner, fez de Cristina também sua vice; assim, morto ele, passou ela a governar o país.

País estranho é a Argentina. Se é verdade que também no Brasil tivemos a ditadura de Getúlio Vargas, igualmente travestido de pai dos pobres, jamais adquiriu a aura mistificante que até hoje mantém o peronismo como força política atuante no país.

Lembro que, quando Isabelita assumiu o governo, sem qualquer qualificação para isso, a CGT difundiu pelo país um cartaz em que ela aparecia vestida como Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, tendo ao alto, de um lado, o rosto de Perón, e do outro, o de Evita, lançando luz sobre ela, e embaixo a seguinte frase: "Se sente, se sente, Perón e Evita estão presentes".

Ninguém teria coragem de fazer coisa semelhante no Brasil, mas na Argentina pode, e tanto pode isso como pode sequestrar do túmulo o cadáver de um general, levado para a Itália por razões políticas; e também pode, no dia da chegada de Perón, em 1973, peronistas enforcarem peronistas sob o palanque em que discursava o líder recém-chegado.

Se soube de tudo isso com perplexidade, igualmente perplexo leio agora as notícias, que me chegam de lá, após a vitória eleitoral de Cristina Kirchner.

Ao que tudo indica, estamos diante de uma personalidade surpreendente que, ao contrário de Isabelita, que não sabia a que viera, sabe muito bem o que pretende e está disposta a levar suas pretensões às últimas consequências.

A América Latina vive hoje, por determinadas razões, a experiência do neopopulismo, que tem como principal protagonista o venezuelano Hugo Chávez.

É um regime que se vale da desigualdade social para, com medidas assistencialistas, impor-se diante do povo como seu salvador. Lula seguiu o mesmo caminho, mas, como o Brasil é diferente, não conseguiu o terceiro mandato.

A solução foi eleger Dilma para um mandato tampão.

Porque o neopopulismo se alimenta de uma permanente manipulação do setores mais pobres da população, o seu principal adversário é a imprensa, que traz a público informações e críticas, que desagradam o regime.

Por isso mesmo, Chávez faz o que pode para calar os jornalistas, enquanto Lula e sua turma tentaram criar aqui um órgão para controlar os jornais.

Não o conseguiram, mas Cristina, na Argentina, talvez o consiga, já que acaba de aprovar uma lei que põe sob controle do Estado a produção de papel de imprensa. O jornal que insistir em criticar seu governo, deixará de circular.

Temo pelo que possa acontecer à Argentina, nas mãos de uma presidente embriagada pelo poder.