Crise é uma coisa, lambança é outra
AS CRISES econômicas são ruins em si. Adicionar à sua discussão uma opção preferencial da ignorância é covardia. Teorias como a "marola" de Nosso Guia e a "pequenininha gripe" de Dilma Rousseff ofendem a inteligência alheia. O mesmo sucede quando o governo diz que pretende aliviar "bancos pequenos". Não existe "banco pequeno". Há bancos solventes e insolventes, como se o adjetivo "pequeno" inspirasse sentimentos misericordiosos capazes de aprovar a criação de um Bolsa Banca.
É o bilionário Warren Buffett (US$ 50 bilhões de patrimônio) quem ensina: "Quando a maré baixa é que você vê quem estava nadando nu". Em matéria de sabedoria, é sempre bom lembrar o que dizia o professor Mário Henrique Simonsen: "O problema mais difícil do mundo, se for corretamente enunciado, um dia poderá ser resolvido. Já o problema mais fácil, ao ser mal apresentado, é irremediavelmente insolúvel".
Quando Nosso Guia diz que a Aracruz e a Sadia perderam dinheiro porque "estavam especulando contra a moeda brasileira", o problema agrava-se, por mal enunciado. Primeiro, elas não estavam especulando. São duas grandes empresas exportadoras, uma de celulose e a outra, de alimentos. É legítimo e até mesmo razoável que protejam suas operações de câmbio. Resguardaram-se supondo que o dólar não passaria de um determinado teto (talvez R$ 1,80) e perderam. A Aracruz tomou um tiro de R$ 1,95 bilhão e a Sadia perdeu pelo menos R$ 760 milhões.
Admita-se que essas operações fossem especulativas. Mesmo assim, e aí é que o problema se agrava, elas estariam especulando a favor do real forte, sobrevalorizado, com o dólar a R$ 1,50. Quando o presidente de uma República mistura as coisas de forma tão primitiva, o problema de um país é bem maior do que os R$ 2,7 bilhões perdidos pelas duas empresas.
A duas, e sabe-se lá quantas outras, estavam nadando sem roupa. A Aracruz já informou que "contratou assessoria especializada para a realização de auditoria específica" para "verificar se foram observadas suas políticas internas". No caso da Sadia, as repórteres Stela Campos, Alda do Amaral Rocha e Ana Paula Ragazzi já revelaram que a diretoria financeira da empresa estava ligada diretamente ao Conselho de Administração, presidido por Walter Fontana, da família do fundador da empresa. Se uma lanchonete de rodoviária tiver um caixa que responde a um parente do dono e não presta contas ao gerente, ninguém precisará pensar muito para intuir o que se passa atrás do balcão.
Felizmente, tanto a Aracruz como a Sadia têm ações cotadas na Bolsa de Nova York e estão obrigadas a respeitar normas básicas de governança. Em 2006, a Sadia tentou comprar um dos seus maiores concorrentes, a Perdigão. Meses depois o ex-diretor financeiro da Sadia negociou um acordo com a Securities and Exchange Commission, que fiscaliza a Bolsa americana e pagou US$ 135 mil para encerrar um processo por manipulação de informações privilegiadas.
Casos como esses derivam da crise apenas no sentido da baixa da maré, ou da vigilância dos mecanismos reguladores dos Estados Unidos. Haverá outros. O pior que poderá acontecer à credibilidade da economia brasileira será o acobertamento de malfeitorias varrendo-as para baixo do auriverde pendão da esperança.
quarta-feira, 8 de outubro de 2008
Lambança
Vou publicar, na íntegra, o texto do Elio Gaspari de hoje. E não vou emitir opinião pessoal. Julgue você, caro leitor.
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